Sentada embaixo da palapa 113, com o mar do Caribe à sua frente e as torres do grande hotel atrás de si, Hillary Jones via duas crianças de nacionalidades distintas brincar e não muito longe das mesmas um casal de namorados de mão dadas demonstrarem estar tendo prazer, no simples ato de estar de mãos dadas abaixo daquele sol de inverno em Cancun. Mantinham-se com os pés enxovalhados pelo mar que constantemente os beijava e os abandonava num ritual místico e despretensioso – não para ela, escritora e jornalista com vivência de duas guerras e inúmeros conflitos – que via naquele vai e vem, situações de muito maior significado.
Estava só. Mais uma vez só. Irremediavelmente sozinha a mercê de suas próprias decisões. Era uma abandonada a sorte, que vivia em sua solidão, renegada ao convívio de seus iguais. Tentara, mas até aqui nada conseguira. Os homens que conhecera que tinham cérebro, não traziam a ela o prazer que ela tanto necessitava. Os sem cérebro, por sua vez a entediavam após três encontros. Até o lesbianismo estivera dentro de suas opções. Queria um dia ser guiada por alguém. Acordar e não ter que decidir. Alguém já o teria feito para ambos. Era só seguir, sem necessitar analisar cada situação. O medo flamejou na obscuridade de seu interior. Sentiu um furioso desejo de libertar-se. De deixar de ser a fortaleza que todos diziam ela ser. Queria estar no mesmo estágio de inconsciência que muitos viviam. A alegria dos ignorantes, que não imaginavam o que poderia acontecer a sua volta. Um patamar de inércia que não a pressionasse a tomar decisões a cada segundo de sua existência. Queria ser subjugada. Comandada. Vislumbrou o imenso abismo que havia cavado com sua arrogância. A estranha ressonância de seu próprio som. Estaria ela condenada a observar a vida escorrer-lhe pelos dedos? Amores, amigos, ânsias e alternativas mortas uma a uma. Como num piscar de olhos, tudo desaparecia de sua vida. Transformavam-se em substâncias gasosas. Invisíveis aos olhos humanos. Mas mesmo assim, sobrevivera aos destroços do naufrágio que sempre a afligira. Sobrevivera, o que não era o mesmo que dizer vivera.
Muitos invejavam sua vida. De avião em avião. De cidade a cidade. De hotel a hotel. Cada dia um diferente restaurante. Cada hora uma distinta opção Cobrindo tudo o que ocorria no universo. Em pouco tempo tornara-se os olhos e os ouvidos de uma humanidade que a ouvia e acreditava naquilo que ela dizia ser a verdade. Mas que verdade? Suas opiniões passaram a ser vistas como verdades. Como ela poderia ser a portadora de uma verdade se a sua própria verdade ela sequer conhecia? Silhuetas fugitivas de um delírio que não a abandonava. Seus instintos a levavam a continuar. Mas não sabia o porque? Estabelecera um circulo em torno de si, exigências de sua tirania intelectual, mórbida, solitária. Ela era uma disfunção.
O mundo estava a seus pés. Dizia sua editora. Mas que mundo se ela não tinha a mínima certeza onde pisava. Você conquistará tudo aquilo que desejar. A lembrava sempre a editora do Jornal que apresentava na TV. Poderia ela conquistar algo mais? E onde estava o prazer? O jubilo? A simples felicidade do afago da mão amiga, do sorriso daquele que a ama, do olhar afetuoso de quem a pudesse admirar?
Colocou os óculos escuros. O sol estava cada vez mais forte e a luminosidade estava afetando suas pupilas. Era inverno, final de 2008 um ano em que se vira obrigada a estar constantemente entre Bagdad e Kabul tentando transmitir de forma sã e imparcial, a insanidade que George W. Bush havia implantado no mundo com a desculpa de estar a procura de Bin Laden e das armas de alta destruição de Saddan Hussein. Armas estas nunca encontradas, nunca explicadas, a não ser o fato de agora o Iraque, o segundo maior reservatório de óleo no mundo, estar sob o domínio norte-americano. Como era inoperante o processo de se implantar pretensas democracias em países que não estavam preparadas para conviver com a mesma. Como era cínico apenas se querer se implantar democracia em países que estavam sobre frutíferos lençóis de óleo. Ninguém parecia preocupado com os ditadores na África. Preocupados porque. Eram nações que não tinham óleo?
Nações? Desculpem, mas não as via como tal. Não passavam de tribos unidas durante décadas pela mão firme e impiedosa de um ditador, e que agora se viam soltas graças a uma pretensa democracia que as fazia guerrear entre si. Afinal durante milênios, foi o que os seus antepassados travaram. Guerras. Lutas pelo poder, posse de terra, assentamentos religiosos. O que os sucessivos gestões da Casa Branca fizeram, foi apenas inventar Bin Ladens, Saddan Husseins e outros menos votados, com o único objetivo de que não viessem a ser dominadas por ditadores de esquerda. Quando estes ditadores viravam a mesa e deixavam de ser ditadores amigos, a democracia tornava-se necessária.
O mundo era uma total imundice. Cabia a ela analisar e tornar factível de ser publicado toda aquela porcaria que os governos de altas nações tentavam impingir aos de menor porte. Dava-lhe asco, mas pagava seu morgade e todas as suas mordomias.
Voltara a um mês do extremo oriente e pedira quinze dias de férias, que lhe foram dados. Cancun lhe pareceu uma ótima opção. Tinha o clima que hoje Chicago não lhe poderia proporcionar e era relativamente perto e barato, com o dólar a quase 13 pesos mexicanos.
Viera para descansar e principalmente tentar esquecer do que vira e fora obrigada a relatar. Não queria competir, raciocinar nem mesmo decidir. Ali estava para ser um nada. Um nada perdido nas areias brancas a frente de um mar cristalino. Nada mais do que isto. Não era pedir muito...
A principio relutou em levantar-se. Queria sacudir aquela inércia que tomara poder de seu corpo desde que descera do avião. Mas um desejo obscuro a mantinha presa ao leito ainda morno do contacto com seu corpo.
Acordara as nove em seu primeiro dia, fora ao café da manhã e somente depois veio a ter na piscina e na praia. Surpreendeu-se. Não teve onde sentar. Todas as cadeiras e as palapas tomadas. Partindo-se que o hotel deveria ter uns 750 quartos e pouco mais de duas centenas de cadeiras, explicava-se o fato que aquele que queria dormir mais, teria que ficar em pé pelo resto do dia. Tratava-se apenas de uma questão de matemática, ou como bem explicariam os economistas de uma disfunção entre a demanda e a oferta.
Estava claro que para se conseguir uma palapa tinha que lutar por elas, pois, fora instaurada um verdadeira guerra para consegui-las: a guerra das palapas.
Abnegados turistas, que teoricamente aqui tinham vindo para descansar, acordavam antes do sol raiar e colocavam suas toalhas naqueles lugares onde se achavam no direito de passar o resto de seu dia. Subversão da realidade. Moral da história. Quando ela chegou por volta das dez, as cadeiras permaneciam vazias, mas todas cobertas de toalhas amarelas. E ninguém respeitava aquelas plaquinhas escritas em dois idiomas, que não era dado ao direito de ocupar uma palapa e abandoná-la por mais de uma hora.
Tinha perfeita convicção, que mesmo no México, a meia hora não poderia passar de 45 minutos. Mesmo tendo consciência que lei de primeiro mundo, não funciona nem em primeiro mundo, que dirá em outros mundos, algo lhe parecia errado. Mas onde poderia haver certo e errado num paraíso tropical? O certo seria relaxar e gozar. Mas ela viera de dois mundos onde as atrocidades se verificavam a cada hora. Estava com os nervos a flor da pele e o mínimo que necessitava era um lugar para se sentar. Queria apenas relaxar, mas nunca o aprendera a fazê-lo de pé.
Voltou a seu apartamento e na varanda ficou. Aproveitou por duas horas o sol que nela batia, tomou um banho e saiu para as compras. Este havia sido o seu primeiro dia. Dormiu cedo e acordou no dia seguinte as sete. Iria conseguir a sua palapa e sua cadeira. Foi aí que descobriu que sete horas, naquele SPA, era amanhã. Todas as palapas e cadeiras tanto da praia quanto da piscina já estavam tomadas. Nem viva alma, mas as toalhas lá estavam. Impávidas a espera de regiões glúteas gordas, celuliticas e gelatinosas. Paciência. Iria usar a lei que lhe dava o direito.
Esperou uma hora e tentou tornar real aquilo que fora esculpido em madeira em toda e qualquer palapa.
Estimado Huéspud
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Serán considerados como um objeto olvidado.
Le suplicamos non dejar sus objetos desatendidos
ya que el hotel no se hace responsable pelo los mismos.
Por su atención y cooperación, muchas gracias.
A encantava a maneira suplicante e educada daquele aviso em língua espanhola, principalmente pelo fato que ele a garantiria sua palapa, pois, ninguém parecia preocupado em vir a sentar nelas antes das nove, pois, tudo parecia garantido a aqueles que madrugasse. Ela o iria provar tratar-se de um ledo engano. Chamou um segurança e afirmou que aquela palapa estava tomada a mais de uma hora e ninguém a ocupara. Queria que as toalhas fossem recolhidas para ela assumir o lugar.
O olhar do segunrança, lhe garantiu apenas que nada seria feito, afinal segurança mexicano é mais apaziguador que diplomata da ONU. Foi um pero que si, pero que no e nada de se fazer cumprir a lei. Irada, retirou-se. Foi a concierge, explicou a situação a uma menina que tinha um inglês de Tarzã e depois de um longo e nauseante período gastos pela atendente com quatro ou cinco ligações para as autoridades competentes descobriu que como em qualquer costume service nada se resolve, tudo se complica. Mandaram-lhe Chita. E depois de mais alguns minutos de total nonsence. De positivo apenas conseguiu que o segurança que não lhe havia obedecido levasse uma espinafração medonha e ter dele a promessa que não mais aconteceria. Grande ganho. Sentiu que o jeito era voltar a sua varanda, aproveitar o restante de sol e colocar o despertador para as dez para seis da manhã seguinte. Se eles queriam uma guerra a teriam.
Nascera no Texas e com o Texas não se brinca. Os mexicanos e Santaana sabiam isto melhor do que ninguém. O Álamo foi uma andorinha de verão.
E as seis da manhã, com a sua toalha, seus livros e todo o seu aparato de banho ela apareceu na piscina. Ela e mais cento e cincoenta outros hospedes do hotel em sua grande maioria dentro do patamar geriátrico. Esta era a vantagem física que tinha. Podia ser mais rápida do que muitos ali presentes. Correu, ultrapassou a um que tinha dificuldades de se locomover, outro que parecia nada enxergar e chegou segundos a frente um terceiro de origem asiática a uma palapa. Jogou sua toalha e olhou para o japonês triunfante que acabara de derrotar. Pearl Harbor havia sido finalmente vingada!
Os dois se entreolharam, e o japonês apenas sorriu. Fora-se a última palapa, mas em seu semblante Hillary pode notar aquela velha expressão que dizia. A batalha fora perdida, mas não a guerra..
Como todas as necessidades se transformavam em guerras. Uns faziam por óleo, outros por liberdade e havia até ela que hoje brigava por uma palapa. Era a nova faceta da vida moderna, onde hoje qualquer coisa soava como sobrevivência.
Em meia hora o tempo cerrou e dez minutos mais a água desabou. Ela recolheu seus pertences da melhor maneira que podia e correu para dentro do prédio, mal notando que ninguém fizera o mesmo. Em quinze minutos o sol voltou assim como ela a piscina para ter o desagravo de ver o japonês sentado naquela que fora a sua palapa com aquele mesmo sorriso de mandarim maquiavélico. Outras duas lições que acabara de aprender: Em Cancun a chuva vai e vem que nem eleitor republicano. E que asiático, mesmo na era do stress, ainda conseguia manter sua paciência intacta.
Quarto dia. Colocou o despertador para as 5.30 da manhã, tendo o cuidado de deixar tudo pronto antes de dormir, bem juntinho a porta. Optou por sequer escovar os dentes e desceu em desabalada carreira. Decidiu em sair pela porta da pirâmide 1 que notara na véspera ser o caminho mais curto de seu quarto ao destino que tinha em mente. Foi a sua sorte. O japonês estava na saída da torre três e quando a viu iniciou seu sprint. Ela fez o mesmo. A diferença de chegada não foi superior a fração de segundo.
Novo triunfo e desta feita por via das dúvidas até uma capa ela havia trazido. Daquela palapa ninguém a iria tirar. Sentou-se e pôs-se a ler. Estava feliz qual um passarinho. Aquele som que tanto odiava, que a perseguia onde fosse, soou. Abriu a sua bolsa e conseguiu achar seu blackberry. Quem lhe estaria mandando um e-mail a uma hora destas. Passava pouco das sete horas em Miami. Abriu a mensagem
Estamos a espera de sua chamada como o combinado. Tenho John Reich em Londres na outra linha. Ligue seu Skype.
Alex.
Esquecera-se por completo. Tinha uma entrevista com Miami e Londres via Skype. Fora marcada com antecedência por ela própria, no tempo em que acreditava que não haveria uma guerra por uma palapa em plena madrugada. Deixara seu computador no quarto. Levantou-se e notou que o japonês a mirava com aquele mesmo sorriso sacana. Ela sorriu de volta. Não levaria mais de uma hora e mesmo que levasse aquela lei não funcionava mesmo. Era coisa para inglês ver. Colocou sua saída e dirigiu-se para o quarto. O fez lentamente para provocar ainda mais a ira nipônica.
A entrevista com seus dois editores levou mais de uma hora, mas felizmente todos os pontos haviam sido esclarecidos e de uma vez por todas o seu livro iria finalmente para o prelo. Voltou a piscina e seus queixo quase caiu. O desgraçado do japonês estava refestelado em sua cadeira abaixo daquela palapa que conquistara por direito em um sprint que quase leva com as solas das sandálias. Sua toalha, bem como os seus pertences não estavam a vista.
Ela tentou controlar-se e aproximando-se do inimigo o interpelou:
- O senhor poderia me dizer o que está fazendo em minha cadeira?
- Quem foi ao vento, perdeu o assento.
- O senhor deve estar delirando...
Ela estava tão irada que nem notou a aproximação do mesmo segurança.
- Com licença, algum problema?
- Foi ótimo o senhor chegar. Este senhor tomou a cadeira que eu estava usando. E onde estão as coisas que aqui deixei?
- As recolhi.
Ela olhou atônita para o segurança. O mesmo que na véspera havia lhe dito aquela série de pero que si, pero que no. Agora parecia cônscio de suas obrigações. Tivera algum derrame cerebral?
Mas o descendente dos Maias, mantinha-se sereno ciente que estava seu direito de fazer cumprir a lei do resort.
- E com a ordem de quem o senhor fez isto?
- Com ordens superiores.
- Não estou entendendo.
Ele sorriu, o mesmo sorriso do japonês. Sem tirar nem por. Talvez tivessem passado a noite treinando juntos. Mas ele não deixou ela perder-se em mais divagações. Gentilmente lhe contou a história do Texas:
- Se a senhora ler com um pouco de mais atenção a plaquinha de madeira que quase me esfregou na cara dias atrás creio que entenderá. Inclusive está igualmente em seu idioma. Quem sai por mais de uma hora perde o direito a palapa que está usando.
- Quando lhe mostrei isto, o senhor dizia que a lei não estava sendo aplicada. Que deveria haver um entendimento entre os usuários das palapas e muito pero que si pero que no. E agora? As coisas mudaram?
- Mudaram. Sua reclamação foi atendida por meus superiores e eu chamado a cumpri-la, caso contrário perderia meu emprego, como a snhora mesmo sugeriu para com a minha superiora. Simplesmente fiz o que a senhora exigira que fosse feito, inclusive sob a ameaça de uma intervenção por parte de seu advogado. A senhora por acaso se esqueceu, do que exigiu?
- Mas eu nem demorei uma hora...
- Penso que a senhora deva ajustar seu relógio, porque no meu passaram-se uma hora de dezoito minutos. Dei dez minutos de consolação e repassei sua palapa a este senhor que a queria.
Aquilo não podia estar acontecendo.
- Quem foi ao vento, perdeu o assento.
Ela olhou e volta para o japona
Estava acontecendo... Hillary conteve-se para não lhe mandar a bolsa que tinha as mãos nas fuças daquele sobrevivente de Hiroshima. Fora pega, e envenenada por seu próprio veneno. Moral da história, teve que voltar a sua varanda e lá passar a maior parte de seu tempo estudando uma forma de quebrar com aquele japonês pelo meio.
Sua consciência despertou para o inevitável. Ela estava perdendo terreno para o japonês. Ela que nascera rica, crescera preguiçosamente protegida das doenças, da violência da infâmia, que freqüentara os melhores colégios, convivera com a mais refinada sociedade, que cursara Harvard e era formada em todo e qualquer curso, não estava conseguindo dobrar um japonês que devia vender verdura em alguma Chinatown da vida. Opressa pela volúpia de vencer, espumava. Tinha agora o receio do perigo, do desconhecido de tudo que estava no exterior de suas entranhas. Estava agora mirando um mundo desconhecido, despojado das certezas com que sempre acostumara-se. Faltava-lhe os serviçais, a limousine, a secretaria que lhe resolvia todo e qualquer tipo do problema. Estava só.
Era um período de novas descobertas e amargos reconhecimentos. Conhecera países, dirigentes, distintos idiomas, mas todos recaiam em uma mesma necessidade: a da sobrevivência. Sua eterna luta contra si própria. A de ser melhor do que no dia anterior. Mas em Cancun tudo cessara. Um principio de angustia seguido por uma estranha sensação de pânico lhe mudaram a forma de ser. Ali sentia-se dominada pela indecisão. Aquela indecisão que sempre lhe enojara vislumbrar naqueles que com ela conviviam. Indecisão que naquele momento dominava sua mente. Matar ou morrer? Os dias se sucediam e o japonês sempre encontrava uma maneira de estar um passo a sua frente. Mas quem era aquele suíno amarelo que não parava de rir?
Descobriu seu nome, graças a uma nota de 100 dólares, e com outra mais, tanto seu endereço, quanto seu telefone. Repassou todos os detalhes descobertos a sua secretária e exigiu um dossiê em questão de horas. Até a CIA, foi contactada. Antes do final da tarde, o tinha em suas mãos.
Yoko Noku havia nascido no Japão, mas de há muito abandonara seu pais de origem. Chegara pouco mais de uma criança aos Estados Unidos trazido por parentes de seus pais para trabalhar em um pastelaria. Vivia em New York, onde prosperara no Queens, desde que montara a sua primeira pastelaria aos vinte e um anos de idade. Hoje eram duas, além da original. Noku era um nome que impunha respeito e inspirava confiança aos locais. Tinha força e penetração naquela área. Tanto que ele, de dois anos para trás, podia se dar ao luxo de vir a Cancun, com sua família e ali passar as duas semanas finais do ano, pegando o Natal e o Ano novo, sendo estas as mais concorridas no balneário. Seus quatro primos, que ele importara, seguravam a barra enquanto ele usufruía do descanso que tanto merecia. Tudo nos conformes. Pagava seus impostos e não demonstrava ter preferência pelos democratas. Estava fora de perigo.
Sem saber que tinha agora sua vida esmiuçada, toda manhã bem cedinho Yoko Noku acordava, como o fazia no Queens e pegava uma palapa para poder ter sua mulher e seus quatro filhos reunidos em volta da piscina sul e tudo ia indo bem até que aquele esquizofrênica norte-americana resolvera lhe fazer frente. Não entendia porque, mas ela cismara exatamente com a palapa que ele vinha usando os últimos 10 dias. A de número 113. Não entedia, pois, o número 13 era um número para o qual os norte-americanos acreditavam trazer muito má sorte. Sua aversão para com o mesmo era tanta, que não haviam décimo terceiro andares na maioria dos edifícios. Seriam impossíveis de serem vendidos. As companhias de aviação, por exemplo, evitavam filas de número 13. E a idiota contrariando tudo aquilo que seu povo acreditava, queria justamente a 113. A sua 113. Aquele bem em frente ao camastro Isla Blanca, normalmente ocupado por aqueles brasileiros que falavam uma língua que ninguém entendia cheias de Baaaá, trilegal e tchê. As três únicas coisas que seus ouvidos conseguiam captar.
Mas decidira não esmorecer. Sua vida fora dura, mas ele vencera todos os percalços. Colocara desta feita seu despertador para as 5.00 horas da manhã. Tinha a impressão que a esquizofrênica imperialista iria tentar ainda mais cedo do que na véspera. Sentira isto no jantar da noite anterior quando no restaurante Tempo teve o infortúnio de se sentar na mesa ao lado da mesma. Houve uma troca olhares. A animosidade imperou entre ambos. Sentia nos olhos daquela solitária mulher a necessidade que ela tinha em o humilhar. Não haveria outra Hiroshima ou outra Nagasaki. Nunca Mais! E sim uma nova Pearl Harbour. Faria como seus antepassados. A pegaria de surpresa. Afinal ele não poderia arriscar. Seus filhos dependiam disto. Eles haviam se acostumado com a 113. Desceria com a lua ainda a pino e garantiria seu lugar. E a imperialista com cara de biblioteca que fosse sentar seu raquítico bum bum em outras pairagens. Não na 113. A 113 era dele! BANZAI!!!!!!!!!!!!
O despertador obedeceu a aquilo que lhe fora pedido. Yoko Noku pulou da cama e nem beijou sua esposa, um hábito que adquirira e o tratava como religioso. Não estava afim de dar um segundo sequer a sua adversária. Rapidamente colocou seu calção, a blusa e deixou para escovar os dentes mais tarde. A importância daquela disputa assim o exigia. Correu até a porta, alcançou o corredor e com as cinco toalhas em punho, trocadas na véspera saiu em desabalada carreira em direção do elevador. Lá chegando, verificou que o mesmo estava no andar zero. Não teve dúvidas. Decidiu pelas escadas e de dois em dois degraus não tardou a chegar ao piso da praia. Haviam sido 37 segundos até ali.
O hotel estava as moscas a aquela hora da madrugada. Afinal, quem iria se levantar a uma hora como aquela? Só uma esquizofrênica de mal com a vida e ele que tinha um nome a zelar, uma nação a defender e uma tradição a ser mantida a qualquer custo. A 113 fora sua desde o furacão de 2005 e assim o seria por mais aquela temporada. Um sólido ímpeto de para quem quer alcançar seus objetivos, apóia-se na secreta esperança que seu ato fará uma diferença. E o faria para a sua família que dependia dele para ter um dia completo a volta da piscina. Estavas a segundos de sua vitória definitiva.
Foi se aproximando da palapa e imediatamente um sorriso jubiloso tomou conta de seus lábios. Sentia a conquista a seus pés. Bem não eram propriamente seus pés. Pés? Sim aquilo eram pés e estavam acompanhados de membros, trono e uma cabeça. A cabeça que mais odiava. A cabeça da esquizofrênica imperialista. E ela dormia. Dormia e não parecia ser de a pouco. A desgraçada havia dormido na 113. Virara a noite ali e com isto conquistara a única coisa que ele almejara.
O desânimo da derrota. A sensação sufocativa do ar esvaindo-se de seus pulmões. Lassidão intermitente. Inconsciência de uma existência esfacelada pela fadiga do esforço inútil e não recompensado. Um notável instinto de revolta avolumou-se em seu interior. Pensou em algo que não teria coragem de fazer, embora tenha tomado contornos nítidos. Suas mãos aquele pescoço. Unidos poderiam determinar o resultado final daquela disputa.
Sem sentir, as cinco toalhas que trazia comprimidas contra seu sovaco, foram ao chão. Uma a uma. Ele perdera a razão para as mesmas. Haviam outras palapas. Centenas delas. Na verdade nenhuma ainda fora garantida por outras toalhas. Todos ainda dormiam. Mas a sua 113, aquela por quem lutara e conquistara nestes últimos anos fora usurpada de seu poder. Seu império demoronara. Um novo MacCarthy sobrepujara a força e o sentido de luta nipônico. Nada mais lhe fazia sentido. Ele sucumbira em sua missão, como seu pai o fizera em Nakagima e seu avô em Nagoya. Ele em Cancun...
Olhou em volta de si. A noite estava linda, pacifica. Estrelas no céu. nenhuma nuvem para empaná-las. Uma lua resplandecente, como em Tóquio. Outrossim, a luz da lua que o iluminava o desnudava em toda a sua humilhação. Largou o resto das coisas que tinha as mãos, desceu as escadas até o mar. Sentiu o frio da temperatura do oceano em seus pés. Voltou as vistas para trás. e água adentro entrou, perdendo-se em segundos na imensidão do mar do Caribe. Fora um harakiri que lhe restauraria a honra. Sua família entenderia.
Enquanto isto Hillary, esparramada na 113, sonhava com um semblante feliz em sua face. Era a face de um anjo. Não era para menos, seu personagem principal era um japonês que se suicidara por não conseguir fazer frente a ela em uma guerra de palapas. Coisa que só acontecem em sonhos...
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